quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O REINO DOS FRANCOS

O reino merovíngio (481/741)

Na Gália, as tribos francas foram unificadas no final do século V por Clóvis (481/511), convertido ao catolicismo, surgindo o primeiro reino bárbaro cristianizado. Neto de Meroveu, Clóvis deu início à dinastia merovíngia, que reinou entre os francos até 741.

A base desse reino era a legalidade pessoal que ligava o rei a seus guerreiros. Sua autoridade vinha do fato de ser chefe da guerra e da conquista; o reino era considerado seu patrimônio pessoal, dele podendo dispor à vontade.

A fidelidade pessoal ao rei era conseguida através de um juramento que os guerreiros lhe prestavam e do compromisso de a ele servir pelas armas, tornando-se assim seus vassalos. Em troca, o soberano protegia e auxiliava os vassalos, garantindo-lhes os meios de seu sustento através da doação de um “benefício”, que podia ser a terra(o domínio) ou qualquer outro bem. As constantes doações de terra acabaram por enfraquecer o poder dos monarcas merovíngios, cujo patrimônio se fragmentava continuamente.

No século VIII, Carlos Mertel, um nobre da família de Heristal, conseguiu prestígio e poder ao deter o avanço dos muçulmanos sobre a Europa Ocidental, vencendo-os em Poitiers(França) em 732. Seu filho Pepino I (741/768) destronou o último rei merovíngio e proclamou-se rei dos francos, iniciando a dinastia carolíngia (741/987). Sua coroação pelo papa Estevão II reforçou a aliança entre a Igreja e o reino franco. O Império Carolíngio (741/987) Pepino I foi sucedido por Carlos Magno (768/814) que expandiu enormemente o reino franco, anexando a Itália lombarda, a Saxônia, a Frísia e a Catalunha, tornando-se o único rei da Europa cristã. Em seu governo, houve uma espécie de renascimento cultural e administrativo, o restabelecimento da moeda e da escrita. No Natal do ano 800, Carlos Magno foi coroado Imperador do Ocidente.

A COROAÇÃO DE CARLOS MAGNO COMO IMPERADOR

“Ora, como no santíssimo dia de Natal, ele tinha entrado na basílica de São Pedro, apóstolo, na ocasião da celebração das missas solenes, e estava diante do altar, com a cabeça inclinada, em oração, o papa Leão pôs-lhe a coroa na cabeça, e todo o povo romano rompeu em aclamações: “A Carlos Augusto, coroado por Deus, grande e pacífico imperador dos Romanos, vida e vitória!” Terminados estes louvores, foi Carlos adorado pelo papa à maneira dos príncipes antigos, e sem tomar, contudo, o título de Patrício, foi chamado Imperador e Augusto.” (ANAIS REAIS, ano de 801). (Citado por Freitas, G., op. cit. p. 131).

O império de Carlos Magno era administrado a partir do Palácio, localizado, na capital, Aix-la-Chapelle. Abrigava funcionários eclesiásticos, aos quais cabia o serviço religioso, e leigos, como o senescal que tratava do abastecimento da corte, o condestável que cuidava das estrebarias, o camareiro encarregado da contabilidade e o conde do Palácio, presidente do Tribunal real. Todos eram vassalos do rei.

O Palácio possuía oficinas, onde artesãos especializados trabalhavam o ouro, a prata e as pedras preciosas, constituindo-se no tesouro do rei, sempre exibido em ocasiões solenes. A cunhagem de moedas era atribuição do monarca, símbolo do poder, da ordem e da estabilidade do reino, sendo proibida a sua fabricação fora do Palácio.

O rei estava em constante movimento pelas diversas regiões do Império e de suas propriedades, não apenas para tirar o máximo de proveito delas, como também para manter sua autoridade. Em sua ausência, suas terras eram administradas pelos intendentes, que dirigiam as atividades agrícolas e controlavam os camponeses.

O comércio, que havia diminuído bastante nos séculos anteriores em função do processo de ruralização da sociedade, conheceu, no período carolíngio, uma certa renovação. Houve o aparecimento dos “portus”, povoações localizadas junto aos rios mais importantes, formadas por um cais de desembarque e uma rua com entrepostos, e com clara função de mercado.

Os camponeses trocavam seus produtos, tais como galinhas, ovos, peixes, cerâmica, nas feiras dos campos e aldeias, garantindo uma pequena renda em moeda(o dinar de prata corolíngio). Alguns metais como o ferro e o chumbo, além do sal, eram também comercializados.

Os nobres, proprietários dos domínios, vendiam sua produção excedente de vinhos e cereais, a fim de obter as moedas necessárias à ostentação e à aquisição de artigos de luxo(especiarias, perfumes, tecidos) provenientes do Oriente e que penetravam no Império Carolíngio via cidades do litoral mediterrâneo, como Veneza(Itália) e Marselha(França). O comércio de mercadorias de luxo era realizado dos negociantes especializados, que faziam parte do corpo de servidores da nobreza e dos reis.
Autores: Fábio Costa Pedro e Olga M. A. Fonseca Coulon.
História: Pré-História, Antiguidade e Feudalismo, 1989

OS REINOS ROMANO-GERMÂNICOS




INTRODUÇÃO

A crise do mundo romano e as invasões bárbaras marcaram o fim do Império Romano do Ocidente e o advento da Idade Média. Das invasões resultou uma fusão de elementos romanos e germânicos, que condicionou o futuro da Europa Ocidental nos séculos seguintes, dando origem ao feudalismo.
O processo de formação do feudalismo passou, pois, pela crise e ruralização do Império Romano nos séculos IV e V, pela constituição dos reinos romano-germânicos nos séculos VI e VII, pela organização do Império Carolíngeo nos séculos VIII e IX, para se firmar em fins do século IX e princípios do século X.

OS REINOS ROMANO-GERMÂNICOS

Ao longo do século V, os reis bárbaros, senhores de sua força, apoderaram-se das províncias ocupadas, dividindo o Império Romano do Ocidente em diversos reinos: o reino dos vândalos na África do norte, o reino dos suevos em Portugal, o reino visigodo na Espanha, o reino dos francos no norte da França, o reino dos borgúndios no centro da França. Em 476, Odoacro, rei dos érulos, derrotou Rômulo Augústulo, último imperador do Ocidente e ocupou Roma. Logo em seguida, foi vencido pelos ostrogodos de Teodorico, que fundou um reino na Itália e parte dos Bálcãs, em 493.
Os bárbaros eram camponeses e soldados e como já foi dito, faltava-lhes a noção de Estado. Conservando suas armas, seus hábitos, sua língua, sua religião politeísta ou ariana e seus reis, adaptaram-se ao ruralizado mundo romano, respeitando-lhe as instituições e a cultura que admiravam e reconheciam ser superiores. Introduziram, porém, alguns de seus costumes, como a noção de fidelidade pessoal entre o rei(chefe do bando armado) e seu séquito de guerreiros. Nos reinos bárbaros que se formaram, a noção de bem público não existia, pois entre eles o reino era considerado uma propriedade particular do rei, que recompensava seus fiéis seguidores com terras e produtos dos saques.
Os primeiros estados bárbaros não tiveram vida muita longa, com a exceção dos francos, que subjugando os borgúndios, iniciaram uma expansão que daria origem ao Império de Carlos Magno. Na África e na Itália, os bizantinos(do Império Romano do Oriente) dominaram os vândalos e os ostrogodos. Na Espanha, os visigodos foram vencidos pelos muçulmanos(vindo do norte da África) que aí ficaram de 711 até o século XV. Os anglo-saxões conquistaram a Inglaterra e os lombardos desceram sobre a Itália, dando uma nova configuração ao mapa da Europa.
Os nobres, francos e lombardos, ao se estabeleceram na Gália e na Itália, apropriavam-se de 1/3 ou de 2/3 das propriedades pertecentes aos romanos, baseados no princípio da "hospitalidade". Lotes de terra eram repartidos entre os membros pobres da tribo, como colonos ou pequenos proprietários. Em pouco tempo, estava consolidada uma aristocracia romano-germânica, com um campesinato dependente também da mesma origem.
As invasões germânicas contribuíram também para alterar a situação dos escravos que ainda existiam. A expansão dos ideais cristãos, a mortalidade, as fugas e o colonato levaram os senhores a considerar mais conveniente entregar aos escravos remanescentes um lote de terra para cultivo, com a obrigação do pagamento de uma renda "in natura" de gêneros variados, sendo-lhes permitido constituir família.
O estabelecimento dos reinos bárbaros levou a Igreja Católica Romana a procurar uma base de apoio que garantisse sua sobrevivência e facilitasse a missão de converter os germanos ao verdadeiro cristianismo. Isso foi conseguido a partir de uma aliança com o Reino Franco, facilitada pela conversão do rei Clóvis, responsável pela unificação de todas as tribos francas e fundador da dinastia merovíngia, no início do século VI.
A conversão dos francos ao Cristianismo tornou a Igreja protegida pelo Estado. Seu patrimônio foi ampliado com novas doações de terras concedidas pelos reis merovíngios, gozando de privilégios como a "imunidade", isto é, a isenção de impostos e de justiça do rei. A Gália tornou-se centro de irradiação do Cristianismo e os francos muito se utilizaram dos bispos e do alto clero católico para a organização e a administração de seu reino.
Além de religião, a língua latina constituiu-se também em um grande fator de aproximação entre romanos e bárbaros, por ser a língua administrativa, na qual as leis eram redigidas. Progressivamente, verificava-se um processo de fusão de elementos tanto romanos quanto germânicos, dando origem a uma nova Europa. O mundo romano forneceu a tradição dos latifúndios, do colonato e da vinculação dos camponeses à terra, enquanto os germanos contribuíram com a noção de fidelidade pessoal e a inexistência da noção de coisa pública, sendo reino considerado patrimônio pessoal do rei, que dele podia dispor como quisesse.


O DOMÍNIO E O COLONATO:

O SISTEMA SENHORIAL

Na integração da herança romano-germânica, formou-se uma nova sociedade em que se fundiram a grande e a pequena propriedade, o camponês livre e o trabalhador escravo, emergindo o domínio e o colonato.
O domínio ou senhorio tornou-se o modelo da propriedade rural do mundo romano-germânico, principalmente na Gália, sofrendo algumas variações de região para região. Pertencia aos grandes senhores - potentiores - de origem romana ou bárbara e à Igreja. Com área variável(entre 200 e 2000 hectares), constituia-se de parte interligadas: a reserva senhorial, os lotes(manso) destinados aos camponeses e os bosques, prados, baldios e pastagens, de uso comum.
A reserva senhorial, de uso exclusivo do senhor, consistia na melhor e na maior parte das terras do domínio. Era formada pela casa senhorial, cercada de celeiros, estábulos, fornos, oficinas artesanais, chiqueiros, moinho, capela, pomar e horta. Possuía também terras aráveis para o plantio de vinhas e cereais, além de prados e bosques, onde era praticada a caça.
Os mansos ou tenências eram lotes de 12 a 15 hectares, situados no interior do domínio, arrendados aos escravos e camponeses, livres(colonos), devendo seu cultivo suprir as necessidades de cada família. As casas dos camponeses agrupavam-se num determinado local do domínio, formando uma aldeia.
O colono tinha de prestar determinado número de jornadas de trabalho gratuitas(corvéias) para o senhor, a quem cabia a proteção e a garantia de terra para o cultivo. As corvéias consistiam em lavrar, plantar, colher e transportar gêneros alimentícios nas terras da reserva senhorial e executar serviços gerais como consertos e manutenção da propriedade. O camponês era também obrigado a entregar ovos, galinhas, ovelhas ou leitões como uma renda "in natura" devida ao senhor, além de moedas de prata pelo uso do pasto e de benfeitorias senhoriais como o moinho. O trabalhador escravo estava sujeito às mesmas imposições que o livre; entretanto, podia ser doado ou vendido com o domínio e devia fornecer trabalho garantido ao senhor a qualquer momento em que fosse solicitado.
O colonato, que atingia praticamente todos os camponeses, significou ao mesmo tempo um aviltamento da condição do homem livre agora submetido ao senhor e uma melhoria na situação do escravo que recebia um lote de terra para cultivar. A partir do século IX, ambos tiveram sua condição nivelada, passando a ser chamados de servos da terra.
O proprietário do domínio(senhor leigo ou eclesiástico), através das corvéias(trabalho gratuito), apoderava-se de grande parte do trabalho do camponês. Essa forma de exploração tornou-se a base do sistema senhorial.

Autores: Fábio Costa Pedro e Olga M. A. Fonseca Coulon.
História: Pré-História, Antiguidade e Feudalismo, 1989

O CRISTIANISMO



O Cristianismo, religião fundada por JESUS CRISTO (1 a 33 d.C.) na Palestina, propagou-se pelas províncias do Império Romano baseado nas idéias de igualdade de todos perante Deus, na humildade, no amor ao próximo e na salvação após a morte. Os cristãos eram rigorosamente monoteístas e se recusavam a cultuar o Imperador e os demais cultos pagãos. Por isso, foram muito perseguidos pois sua fé em Deus era vista como uma ameaça à autoridade imperial.

Durante os séculos I, II e III, os cristãos procuraram se organizar internamente para melhor resistir às perseguições e para continuar praticando e difundindo os ensinamentos de Jesus Cristo. No fim do século III, as regiões mais cristianizadas eram o Egito, a Ásia Menor, a Síria, a Itália, a Gália Narbonense e a Espanha.

Em 312, o imperador Constantino venceu o general Maxêncio que lhe ameaçava o trono, usando em suas legiões o símbolo cristão, a cruz. Como reconhecimento, converteu-se ao Cristianismo e no ano seguinte proclamou o Edito de Milão, concedendo a essa religião uma igualdade de situação com os demais cultos pagãos e cessando com as perseguições.

Ao aceitar a liberdade doculto cristão e patrocinar em 325 o Concílio de Nicéia que definiu as bases da Igreja Católica, Constantino buscava obter uma unidade religiosa que facilitasse o controle sobre a população e fortalecesse a autoridade do Imperador. “Eu me propunha a unificar a opinião de todos os povos sob a Divindade e restituir ao Império, que me parecia atingido por muitos males, os eu antigo vigor. Esperava que, se tivesse conseguido estabelecer um acordo geral no campo religioso, a administração dos negócios públicos teria obtido vantagens.” (CONSTANTINO, segundo seu biógrafo, Eusébio de Cesaréia).

A partir de Constantino, a Igreja passou a receber doações do Estado e verbas provenientes dos impostos. Os bispos foram equiparados aos altos funcionários do Império, incorporando-lhe uma enorme e dispendiosa burocracia clerical, formada de bispos, diáconos e padres.

Embora buscasse a unidade e a universalidade, a Igreja Católica(do grego Katholikós = universal) achava-se, no século IV, profundamente dividida internamente entre os adeptos do sacerdote Ário - que não aceitava a idéia de um Cristo da natureza divina como Deus Pai – e os demais membros do clero, defensores do dogma da Santíssima Trindade.

Em 380, o imperador Teodósio, através do Edito de Tessalônica, impôs a todos os súditos do Império a religião católica “que o apóstolo Pedro transmitiu aos romanos”, de acordo com as normas do Concílio de Nicéia, reconhecendo a “única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, ou seja, da Santíssima Trindade. Com isso, tanto pagãos quanto arianos foram colocados fora da lei e o catolicismo se transformou em religião oficial do Império. Mesmo combatido, o arianismo foi muito difundido, particularmente no Oriente e entre os bárbaros.



A organização da Igreja



Na estrutura geral da Igreja cristã, os bispos, considerados os sucessores dos apóstolos, conquistaram em muitas cidades poderes maiores do que as autoridades do Estado. Assim, a organização primitiva comunitária da Igreja foi sendo substituída por um sistema administrativo e hierárquico, semelhante ao do Império.

A cidade, com seu território urbano e rural formava uma diocese sob a liderança de um bispo, auxiliado pelos cônegos e pelos curas, encarregados das paróquias. As dioceses agrupavam-se em províncias, que tinham à frente um arcebispo ou bispo metroplitano. No topo da hierarquia encontravam-se os patriarcas, encarregados de um conjunto de províncias, com sede nas cidades mais importantes: Roma, Alexandria, Jerusalém, Antioquia e Constantinopla.

No Ocidente, aceitava-se que o bispo de Roma, sucessor de apóstolo Pedro e pastor da primeira cidade do mundo, exercesse uma posição predominante, sendo chamado de Sumo Pontífice ou Papa, o chefe supremo da Igreja Católica Apostólica Romana. No Oriente, a supremacia do Papa nunca foi aceita, prevalecendo a existência dos patriarcas.



A “Cidade de Deus”



No ano de 410, pela primeira vez após oito séculos, Roma, a “cidade eterna”, foi ocupada e saqueada pelos bárbaros visigodos, liderados por Alarico. O acontecimento, de grande repercussão, foi atribuído pelos pagãos aos cristãos, devido ao abandono do culto dos antigos deuses, que agora manifestavam sua vingança. Os cristãos sentiram-se acometidos de muito pessimismo, substituindo o triunfalismo que conheciam desde o reconhecimento de sua religião pelo Egito de Milão, em 313.

Nesse momento difícil do Cristianismo, destacou-se Agostinho, o bispo de Hipona(cidade do norte da África) e a voz mais importante da Igreja na época. Agostinho defendia a tese de que o homem é condenado pelo pecado original ao inferno e somente pode se salvar através da graça divina. O homem se afasta de Deus por sua própria vontade, enveredando-se pelo mal. É então que a graça divina intervém e pode salvá-lo. Mas nem todos conseguem se salvar, só os escolhidos por Deus.

Essas idéias aparecem formuladas em sua obra “A Cidade de Deus”, escrita entre 413 e 426. O pecado foi responsável pelo aparecimento da “cidade dos homens’, marcada por sofrimentos, guerras e fome, exceto para aqueles eleitos por Deus para a salvação e que edificariam a “idade de Deus”, vivendo em bem-aventurança. Segundo Agostinho, as duas cidades coexistiam, “cidade dos homens” com suas leis, costumes e poderes próprios e a “cidade de Deus” formada pela Igreja e pelos cristãos destinados à salvação, que viria no dia do Juízo Final. A queda de Roma era considerada um castigo de Deus imposto aos homens pelos seus pecados, ao mesmo tempo em que a “cidade de Deus” continuava sendo edificada. E Santo Agostinho afirmava: “Roma não é eterna, porque somente Deus é eterno.

A teoria agostiniana das duas cidades foi utilizada durante toda a Idade Média para justificar a predominância do poder espiritual(a Igreja) sobre o poder temporal(o Estado) e a sua doutrina da graça e do pecado se tornou a base do cristianismo medieval.

A Igreja e o fim do Império Romano


Com a crise e o fim do Império Romano em 476, a Igreja foi a única instituição que sobreviveu organizada e não sucumbiu frente às invasões germânicas. Naquele mundo inseguro e confuso, à medida em que o Estado romano se desintegrava, a Igreja assumia muitas de suas funções, principalmente as de cunho assistencial.

Nessa época, a alta cúpula da Igreja já detinha imensas riquezas, transformando-as na maior proprietária de terras do Ocidente. O patrimônio recebido dos imperadores foi acrescido de esmolas, de doações territoriais e de heranças de cristãos que procuravam garantir, dessa forma, a salvação de sua alma após a morte.

Autores: Fábio Costa Pedro e Olga M. A. Fonseca Coulon.
História: Pré-História, Antiguidade e Feudalismo, 1989

O FIM DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE

No século V, a crise econômica, administrativa e militar do Império Romano do Ocidente era cada vez mais grave. Nos campos, a produção diminuía, visto que o número de escravos decaíra e grande quantidade de camponeses era obrigada a servir ao exército. Bandos de desocupados, em busca de trabalho, dinheiro e comida transformavam-se em bandidos que ameaçavam a ordem estabelecida. Nas cidades, o comércio e as manufaturas declinavam. A insegurança dificultava a comunicação entre as regiões do Império.

Com as invasões germânicas, o comércio entre as províncias interrompeu-se, a administração desintegrou-se, as estradas foram abandonadas, inúmeros campos ficaram vazios e a população diminuiu. O abastecimento das cidades(principais alvos dos ataques, pelas suas riquezas) tornou-se difícil, forçando a ida de seus habitantes para a área rural, em busca de segurança.

Progressivamente, a aristocracia romana retirava-se para seus latifúndios – as “villae” – levando consigo artesãos, pequenos comerciantes e demais moradores das cidades que, premidos pela forma, pelos impostos e pelas pilhagens, procuravam a proteção dos grandes proprietários – os “potentiores” – reforçando a tendência à ruralização. Sobreviveram apenas algumas cidades situadas junto às rotas fluviais e marítimas que substituíam as estradas como vias de comércio.

O Estado, sobrecarregado de despesas, aumentava constantemente os impostos, trazendo o desespero e a ruína aos pequenos proprietários, que, pressionados, acabavam por ceder suas terras e seu trabalho ao poderoso grande proprietário vizinho, perdendo a condição de homem livre em troca de proteção.

A progressiva ruralização modificou as antigas “villae” romanas, aumentando sua extensão e alterando o sistema de trabalho. Ao lado do escravo e dos poucos pequenos proprietários que conseguiam manter sua propriedade, crescia o número de colonos, camponeses não proprietários e dependentes dos grandes senhores. Esses apropriavam-se agora dos impostos que arrecadavam diretamente dos colonos, passando a exercer funções que pertenciam ao Estado.

O enfraquecimento do Império manifestava-se também na decadência do exército, muito infiltrado de bárbaros. Desde Constantino que as legiões romanas contavam com um número cada vez maior de germanos(godos, vândalos, éruloa, alamanos, francos, etc) em suas fileiras. A aristocracia romana era sistematicamente afastada das funções militares pelos imperadores, temerosos de sua influência. A guarda pessoal do Imperador e os mais altos postos do exército e da Corte estavam nas mãos dos germanos, que em troca de pagamento eram sempre fiéis e imunes às variações da política.

A enorme estrutura militar, política e administrativa do Império Romano do Ocidente tornava-se difícil de ser sustentada por uma economia em crise. A queda na produção e na arrecadação e o esvaziamento das cidades levaram-no ao colapso total frente às invasões bárbaras do século V, que culimiram com a tomada de Roma e a derrubada do último imperador, Rômulo Augústulo, em 476. A partir dái, a ruralização e a tendência à fragmentação política, com a divisão do Império do Ocidente numa série de reinos romano-germânicos, persistirão cada vez mais fortes.

Embora em fins do século V todo o Ocidente já estivesse ocupado pelos bárbaros, no Oriente a situação foi diferente. Ali o Império sobreviveu forte e centralizado, com suas populosas cidades de cultura e riqueza muito antigas. Os soberanos, com grande habilidade política, conseguiram rechaçar s ameaças dos bárbaros e a monarquia despótica de tipo oriental perdurou até 1453, quando a capital Constantinopla foi tomada pelos turcos otomanos.

OS GERMANOS E O IMPÉRIO ROMANO



Os germanos habitavam a região da Europa situada além das fronteiras do Império, entre os rios Reno, Danúbio e Vístula e os mares do Norte e Báltico, denominada Germânia. Eram considerados “bárbaros” pelos romanos(do grego, bárbaroi = estrangeiros), pois não possuíam a mesma cultura. Dividiam-se em numerosas tribos, como os gados, os borgúndios, os francos, os suevos, os alanos, os vândalos, os lombardos, os anglos, os saxões, os jutos, os frisões, etc.

Os primeiros contatos dos germanos com os romanos ocorreram na época de Júlio César (séc. I a.C.). Nessa ocasião, as tribos germânicas viviam em aldeias rudimentares, praticando uma economia comunal baseada na agricultura, na pecuária e nas pilhagens. Quando as terras se esgotavam, partiam à procura de outras. As áreas cultiváveis e os bosques eram de uso comum aos habitantes das aldeias. Apenas os rebanhos permaneciam como propriedade particular, constituindo-se na principal riqueza dos guerreiros.

A base da organização social das tribos era a “sipe”, espécie de clã formada por famílias ligadas por laços de parentesco. Seus membros protegiam-se mutuamente e a ofensa a um deles atingia toda a sipe, que praticava a vingança coletiva. Na guerra, o exército era recrutado entre os homens da tribo, maiores de 16 anos.

Os germanos não conheciam cidades nem Estado. Sua mais importante instituição política era a Assembléia dos Guerreiros da tribo, que decidia sobre a guerra, a paz, a libertação dos escravos e escolhia o rei, com função religiosa e militar. Os principais chefes desenvolveram os costume de manter uma “escolta” ou “séqüito” de guerreiros, ligados ao líder por um juramento de fidelidade. Em caso de ataques e lutas, eram recompensados como produto das pilhagens, dando origem a uma nobreza possuidora de terras e escravos.

O contato com os romanos e o desenvolvimento do comércio de mercadorias nas fronteiras foram aos poucos alterando a primitiva igualdade existente entre os membros dos clãs, contribuindo para criar a seguinte diferenciação social entre eles: os nobres, proprietários de terras, que se consideravam descendentes dos deuses germânicos; os livres, a maioria dos membros das tribos; os semi-livres, derrotados nas guerras de tribos afins; os escravos, englobando os prisioneiros de guerras, os endividados e os nascidos de pais escravos.

No governo de Diocleciano(284/305), soldados germanos passaram a ser regularmente recrutados para servir nas legiões do Império. As autoridades imperiais procuravam rodear as fronteiras de chefes bárbaros aliados, que mantinham a independência, os usos e os costumes, mas defendiam os interesses romanos diante do mundo germânico e eram recompensados com dinheiro e terras.

Por volta do século IV, a Assembléia dos Guerreiros praticamente desaparecera entre os bárbaros, substituída por um Conselho de Nobres. O contato cada vez maior com o Império levara-os a assimilar bastante a vida econômica, a hierarquia social, a disciplina militar e a religião dos romanos(muitos bárbaros haviam se convertido ao Arianismo, ramo do Cristianismo considerado herético pelo Concílio de Nicéia, realizado em 325). Mesmo assim, suas comunidades ainda eram bem rudimentares e quase todas desconheciam a escrita.

A partir de fins do século IV, pressionados pelos hunos, povo nômade vindo da Ásia Central, as tribos germânicas migraram em massa e de uma forma não pacífica para o interior do Império Romano do Ocidente. Suevos, alanos, borgúndios, francos, vândalos, visigodos penetraram, saquearam e ocuparam a Gália, a Península Ibérica, a África e a Itália. Anglos, saxões e jutos tomaram a Bretanha. Para defenderem Roma dos sucessivos ataques de determinadas tribos, os Imperadores recorriam ao auxílio de outros chefes bárbaros, ficando à sua mercê. As invasões germâmicas trouxeram desordem, destruição, fome e pilhagem ao já decadente Império Romano, precipitando sua desintegração, no final do século V.



“Os hunos excedem em ferocidade e barbárie tudo quanto é possível imaginar de bárbaro e feroz. Sob uma forma humana, vivem em estado de animais. Alimentam-se de raízes de plantas silvestres e de carne meio crua, macerada entre suas coxas e o longo de suas cavalgaduras. Suas vestimentas consistiam em uma túnica de linho e jaqueta de peles de ratazana selvagem. A túnica é de cor escura e apodrece no corpo. Cobrem-se com um gorro e envolvem as pernas com peles de bode.

Quando cavalgam, acredita-se estarem pregados em suas montarias, pequenas e feias, mas infatigáveis e rápidas como relâmpagos. Passam sua vida a cavalo; a cavalo se reúnem em assembléias, compram, vendem, bebem, comem e até dormem às vezes. Nada se iguala à destreza com que lançam, a distância prodigiosa, suas flechas armadas de ossos afiados, tão duros e mortíferos como o ferro.

Em suas migrações, o gado e as famílias os seguem em carros; é aí que as mulheres fiam, cosem, e dão à lua os filhos e os criam. Se lhes perguntamos de onde vêm ou onde nasceram, não sabem...”

(Relato do historiador romano Amiano Marcelino, citado por GUERRAS, Maria Sonsoles. Os Povos Bárbaros. S.P., Ática, 1987, p.47)

O IMPÉRIO ROMANO (31 a.C. a 476 d.C.)



O Principado e a Pax Romana (séculos I e II)

A ascensão de Otávio trouxe a consolidação de um novo regime, autocrático, baseado no exército(e não mais no Senado), denominado Principado. Inaugurou um período de estabilidade política para Roma, sob um poder extremamente centralizado. O Senado, progressivamente enfraquecido durante as guerras civis, os triunveratos e o governo de César, rendeu-se ao poder pessoal de Otávio e concedeu-lhe, em 27 a.C., os títulos de Princeps(o Primeiro Cidadão), Pai da Pátria, Pontífice Máximo e Augusto(sagrado).

Otávio Augusto buscou a unificação política e administrativa do Principado, introduzindo reformas eu vão assegurar a “pax romana”, isto é, a hegemonia, sem contestação, de Roma sobre todas as regiões e conquistas. Deu lotes de terra aos soldados desmobilizados depois das guerras civis, transformando o exército numa força permanente e profissional, bem paga, disciplinada e leal.

Em Roma, Otávio continuou com a política de distribuir cereais ao proletariado urbano e criou empregos através de um largo programa de construções municipais. Reformulou a arrecadação de impostos nas províncias, acabando com os abusos. Instituiu um novo sistema fiscal(taxação sobre a terra e capitação), nomeando funcionários do Estado para cobrá-lo. Criou um serviço postal e um sistema regular de comunicações ligando as províncias entre si. Instalou colônias em pontos afastados do Império. Deu às famílias ricas das províncias o direito de participar do Senado e das Magistraturas. A classe senatorial, assim aumentada, mesmo desprovida dos poderes que usufruíra durante a República, continuou sendo a classe dominante do Império.

Augusto teve como sucessores os imperadores das dinastias JúlioClaudiana(Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Otão e Vitélio – de 14 a 69 d.C.), dos Flávios (Vespasiano, Tito e Domiciano – de 69 a 96),e dos Antoninos (Nerva, Adriano, Antonino Pio, Marco Aurélio, Pértinax e Dídio Juliano – de 96 a 193), oriundos da aristocracia senatorial romana e das aristocracias das províncias.

Os dois primeiros séculos do Império foram marcados pela segurança externa, pois as fronteiras se estabilizaram, e pela prosperidade econômica. As técnicas agrícolas e artesanais receberam aperfeiçoamentos, aumentando a produção de azeite, pão, vinho, vidro, cerâmica. A arquitetura descobriu o arco e a abóbada, surgindo embelezamentos urbanos na Capital e nas províncias, com a construção de fóruns, aquedutos, termas, palácios, redes de água e esgoto, etc.

O crescimento econômico acompanhou o florescimento da cultura latina, calcada nas idéias de força, grandeza, potência e missão histórica de Roma, sobressaltando-se poetas como Virgílio, Horário e Ovídio, e Tito Lívio, grande historiador.
O Principado contou com crescente burocracia formada por milhares de funcionários encarregados da administração, do governo das províncias e da cobrança de impostos. O sistema jurídico desenvolvido na República foi mantido, principalmente na parte do direito privado, que regulamentava as relações entre os cidadãos. A ele se sobrepuseram os amplos poderes dos imperadores, que governavam através dos decretos imperiais. Por isso o Principado, mesmo centralizado e burocratizado, diferia das monarquias despóticas do Oriente, porque existiam leis que garantiam os direitos individuais dos cidadãos.

No governo do Imperador Trajano (98 a 117) foram feitas as últimas guerras externas de conquista de terras e escravos, com a anexação da Dácia(atual Romênia) e algumas regiões da Mesopotâmia. Nessa época, já se notava uma tendência à auto-suficiência das grandes propriedades exploradas por mão-de-obra escrava – as “villae” – diminuindo o comércio entre as províncias.



A crise do século III – A anarquia militar



Nos fins do século II, já sob a dinastia dos Severos(Sétimo Severo, Caracala, Geta, Macrino Heliogábalo e Alexandre Severo – de 193 a 235), surgiram os primeiros sintomas de crise econômica no Império. O fim das guerras de conquista trouxe escassez de mão-de-obra escrava, que se tornou extremamente cara. Os grandes proprietários começaram a arrendar parcelas de terras a agricultores livres(colonos) em troca de uma parte da produção, iniciando-se o sistema de colonato.

A produção de metais diminuiu e a moeda era constantemente desvalorizada. Surgiram problemas nas fronteiras, com constantes ataques de tribos “bárbaras”. O grande número de funcionários e a manutenção do exército aumentavam as despesas do Estado, levando o governo a constantes elevações de impostos, que recaiam principalmente sobre os pequenos produtores e arrendatários.

O período de 235 a 284 foi de grande anarquia, pondo fim ao Principado. O exército passou a controlar o Estado, sucedendo-se mais de vinte imperadores militares no trono. A sede do poder político deixou de ser a capital Roma e foi transferida para o campo de batalha, onde o que valia era a vitória de um comandante militar sobre seus rivais.

Nesse período, a crise econômica do Império agravou-se. Com falta de trabalhador, a produtividade da terra diminuiu – o aumento da produção só podia ocorrer com o aumento da mão-de-obra(que estava cada vez mais difícil) devido à lentidão do progresso tecnológico verificado. As moedas perderam o valor e os preços elevaram-se. Revoltas militares e de escravos eclodiram em diversos pontos do Império. A escravidão entrou em declínio em função da dificuldade de se encontrar escravos e também devido à possibilidade de as classes superiores encontrarem trabalhadores livres dispostos a se empregar, em troca de proteção.

As fronteiras eram continuamente atacadas pelos bárbaros. Os saxões, na Bretanha, os francos, na Gália, os godos, na Ásia Menor, os persas, na Mesopotâmia e Síria penetravam profundamente para o interior. O comércio e as manufaturas decaíam.

A crise econômica acentou as diferenças entre a parte oriental e a parte ocidental do Império, mais atingida, pois aí é o latifúndio e o trabalho escravo eram a base do sistema econômico.


O Dominato ou Baixo Império (284 a 476)

Diocleciano, em 284, pôs fim à anarquia e deu início a uma nova fase do Império, denominada DOMINATO, estabelecendo em Roma uma monarquia despótica de tipo oriental, em que os imperadores se intitulavam “Dominus et Deus” (Senhor e Deus), sendo adorados e reverenciados como os soberanos orientais.

A fim de deter a crise e manter a defesa e a ordem interna, Diocleciano aumentou os efetivos do exército para mais de 450 000 homens e dividiu o Império em 101 províncias, 17 dioceses e 4 prefeituras ou tetrarquias. Essa reforma militar e administrativa aumentou enormemente os gastos do Estado. Para enfrentar as despesas, foram lançadas novas taxações sobre a terra, o comércio e demais atividades. Foi também criado um imposto em gêneros – a “anoma” – recolhido pelos “curiales”, altos funcionários do governo, destinado à manutenção da burocracia e dos exércitos. Esses impostos oneravam principalmente os pequenos proprietários e os arrendatários.

Diocleciano foi sucedido por Constantino (306/337), que tomou medidas importantes como a mudança da capital de Roma para Constantinopla, o reconhecimento da religião cristã e a vinculação do colono à terra. A mudança da capital para a parte oriental do Império demonstrava o esvaziamento de Roma como centro econômico e político.

Constantino baixou decretos no sentido de vincular o homem à terra e às suas profissões urbanas, facilitando a cobrança de impostos.

No campo, os camponeses e os colonos foram proibidos de abandonar a gleba em que trabalhavam, beneficiando os grandes proprietários. Nas cidades, as atividades administrativas, comerciais e artesanais se tornaram obrigatoriamente hereditárias e seus membros foram proibidos de mudar de ramo, favorecendo os detentores de melhores cargos públicos.

As reformas introduzidas por Diocleciano e Constantino conseguiram manter o Império durante o século IV. Em 395, com a morte do imperador Teodósio, o Império foi dividido entre seus filhos Honório e Arcádio, em Império Romano de Ocidente e Império Romano do Oriente. Entretanto, isso não conseguiu evitar a crise econômica, política e militar que no século V se manifestou em toda a extensão da parte ocidental do Império, agravada pelas invasões dos povos bárbaros germânicos.

Fábio costa Pedro
Olga M. A. Fonseca Coulon